segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Combate à homofobia

Projeto da UFMG produziu vídeos com travestis




Apesar de vivermos em uma sociedade que se intitula aberta às diferenças e livre de preconceitos, é comum presenciar casos de discriminação, seja por raça, religião ou orientação sexual. O preconceito em relação aos homossexuais ainda é grande no Brasil e foi com o objetivo de diminuir os efeitos desse tipo de discriminação que o projeto “Educação Sem Homofobia”, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lançou na última semana, os vídeos “Memorial Travestis e Trans de BH” e “Muito prazer: travestis e transexuais de Juiz de Fora”. O projeto foi desenvolvido pela parceria entre o Movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) de Belo Horizonte e o Movimento Gay de Minas (MGM) de Juiz de Fora, e contou com o depoimento de travestis e transexuais das duas cidades.

Os vídeos do projeto contaram com a participação de muitas travestis de Belo Horizonte. “Nós tivemos a ajuda da Cellos Trans (Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual). A coordenadora do Centro nos ajudou muito e nos indicou cinco travestis para entrevistar”, contou Tatiana Carvalho Costa, Supervisora do Departamento de Produção de Material Didático Audiovisual do “Educação Sem Homofobia”, explicando que a equipe de gravação também teve o apoio do Grupo Solidariedade de BH. “Esse grupo trabalha com travestis em situação de risco e a responsável por ele também nos indicou três travestis para a conversa”, contou a Supervisora, que entrevistou cerca de 20 travestis na capital mineira. Nos vídeos, elas falam sobre a descoberta de sua orientação sexual, do dia-a-dia, da relação com a família, do preconceito que sofrem e também a respeito dos programas que fazem e da relação com os seus clientes.

O projeto da UFMG

O projeto “Educação Sem Homofobia” foi criado em 2008 pela UFMG com o intuito de dar uma formação aos educadores em relação à diversidade sexual, para que esse aprendizado seja transmitido aos alunos. “A principal meta do nosso trabalho é capacitar os professores para que eles realizem aulas com discussões e esclarecimentos a respeito das diversidades sexuais”, explicou Daniel Arruda, Coordenador Executivo do “Educação Sem Homofobia”, projeto do Nuh (Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT). “Há dois anos o projeto criou jogos educativos para serem usados pelos professores em sala, mas dessa vez nós optamos por um material audiovisual”, falou Daniel, sobre os vídeos produzidos em 2010.

A respeito da execução dos vídeos, Daniel disse que o grupo não teve dificuldades em coletar o material com as travestis. “O curso de Psicologia da Universidade possui um projeto de estágio em que os alunos acompanham a rotina das travestis em suas casas. A proposta de realizar um vídeo partiu delas, da vontade que elas tinham de mostrar para o mundo a sua vida e dizer que também ganharam espaço político na sociedade”, falou o Coordenador. “Nós ficamos surpresos com o apoio das travestis de BH, pois a princípio nós pensamos que elas seriam arredias”, lembrou Tatiana, a respeito da ótima receptividade das entrevistadas.


O vídeo também foi realizado em Juiz de Fora, com a participação de 12 travestis, por conta da presença do “Educação Sem Homofobia” na cidade e pelo apoio da Pesquisadora da Universidade Federal de Juíz de Fora (UFJF), Juliana Perucchi. “O pessoal de lá ficou sabendo do vídeo em BH e logo quiseram participar. Nós aqui topamos na hora”, disse Tatiana, explicando que o preconceito não ocorre apenas por conta da orientação sexual. “Duas entrevistadas de ambas as cidades disseram sentir mais preconceito por serem negras, e não travestis”, falou a Supervisora. “Não sei se podemos falar em um preconceito inferior ao outro, mas é impressionante a inserção social que as travestis bem nascidas ou que conseguiram ficar ricas têm em relação às que são mais pobres”, contou Tatiana, a respeito dos diversos tipos de discriminação existentes nesse e em qualquer outro meio. “Elas são discriminadas inclusive pelas outras travestis e também há o preconceito entre os homossexuais. Alguns gays, homens principalmente, não gostam de travestis. Elas não quiseram gravar esses depoimentos para o nosso vídeo, mas é uma situação que acontece”, declarou.


As travestis que participaram dos vídeos estiveram presentes no lançamento do projeto nas duas cidades. “A exibição em Belo Horizonte foi ótima. Elas estiveram no evento e se emocionaram ao assistir os depoimentos”, contou Tatiana. “Eu não estive no lançamento em Juiz de Fora, mas quem pôde comparecer me disse que a receptividade também foi maravilhosa”, contou a Supervisora, salientando que a repercussão também foi grande devido à divulgação na Internet. “Já tem professores usando os vídeos em aulas e também fiquei sabendo da procura pelo material por pessoas de outros países, como Portugal”, finalizou a Supervisora do projeto.



O Projeto da UFMG foi uma grande oportunidade para as travestis mostrarem um pouco de suas vidas para a sociedade. “O vídeo foi uma grande chance da gente mostrar nossa cara. Essa visibilidade é muito importante para as meninas, nós precisamos mostrar para as pessoas que somos normais como qualquer outro ser humano”, explicou Anyky Gonçalves de Lima, 54 anos, Coordenadora do Cellos Trans. “Nós tivemos um grande apoio do pessoal da Universidade. Nós ajudamos com o projeto porque percebemos que o interesse deles era realmente o de nos ajudar”, contou Anyky.



Apesar de o material ser voltado para a divulgação da vida de uma travesti e, consequentemente, com a diminuição do preconceito em relação à essa comunidade, Anyky acredita que o percurso ainda será longo até o fim da homofobia. “Eu acho muito difícil acabar com a discriminação, as pessoas não conhecem a nossa vida e já criam uma imagem na cabeça. Penso que uma das formas de eliminar o preconceito da sociedade é mostrar a travesti como alguém politizada, e não da maneira como geralmente a comunidade é exposta na mídia”, explicou Anyky, lembrando da relação de muitas travestis com o universo das drogas e dos crimes que são cometidos contra elas devido à homofobia.


Anyky, que participou ativamente do trabalho de captação dos depoimentos, começou a perceber sua orientação sexual desde a infância. “A partir dos sete anos comecei a entender minha sexualidade. Aos 12 eu comecei a me travestir e aos 15 saí de casa por causa do preconceito da minha família”, contou. “Muita gente foge de casa por não ter o apoio da família e acaba indo para a rua por não ter outra opção. Com isso, a imagem que as pessoas têm das travestis é a de gente que vive nas esquinas. Mas o que queremos mostrar é que somos normais como qualquer um, e que temos, assim como qualquer outra pessoa, o nosso lado positivo”, finalizou Anyky.


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

ATIVIDADE DE VIVÊNCIA - INSTITUTO HELENA GRECO DE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA



No dia 04 de agosto de 2010, estivemos no Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania, situado à Rua Hermilo Alves, 290, no bairro Santa Teresa, em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Conversamos com Heloísa Greco, filha de D. Helena e atual coordenadora do IHG-DHC.

A partir da conversa, tivemos acesso à Carta de Belo Horizonte, em defesa do PNDH III (Terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos).

A Carta, intitulada "III Programa Nacional de Direitos Humanos/PNDH 3: Nem um passo atrás!", contou com a assinatura de várias entidades de apoio ao Movimento LGBT, como a ABGLT, ALEM, CELLOS-MG, CELLOS - Contagem, dentre várias outras entidades que militam na defesa pelos direitos humanos em Belo Horizonte.

Veja, abaixo, a carta na íntegra. Agradecemos Heloísa Greco, nossa querida Bizoca, pelo acolhimento e contribuição na nossa formação no combate à homofobia.


III Programa Nacional de Direitos Humanos/PNDH 3:

Nem um passo atrás!
É preciso mudar o mundo.
Depois mudar o mundo mudado.

Bertolt Brecht


Nós, entidades e militantes dos direitos humanos e das lutas dos trabalhadores e do povo de Belo Horizonte-MG – integrantes do Fórum Permanente de Defesa do PNDH 3 - vimos a público manifestar nosso apoio integral ao III Programa Nacional de Direitos Humanos/PNDH3 aprovado pela 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (Brasília, dezembro de 2008) e confirmado pelo decreto federal n. 7 037, de 21 de dezembro de 2009. Manifestamos ainda nosso mais veemente repúdio às posições contrárias a este Programa e às manobras no sentido da sua distorção ditadas pelos setores mais reacionários da sociedade: as Forças Armadas, os latifundiários, os donos da imprensa, a ortodoxia católica. São aqueles que defendem os interesses do capital, do mercado, da propriedade; aqueles que monopolizam os meios de comunicação; aqueles que buscam sistematicamente o fortalecimento do aparato repressivo, a institucionalização da tortura, a criminalização do dissenso, da pobreza e dos movimentos sociais e o aprofundamento da estratégia do sigilo e do esquecimento; aqueles que buscam perenizar a intolerância em relação a toda e qualquer diversidade e a manutenção dos valores deletérios do patriarcalismo machista, sexista, antifeminista e homofóbico.



A 13 de janeiro de 2010 foi promulgado novo decreto, que veio a descaracterizar o primeiro. A partir dele o plano não está mais aprovado, mas apenas tornado público. Além disso, o presidente da República se dá o direito de mandar abrandar os pontos polêmicos, em nome de uma pacificação dos ânimos. Ora os pontos polêmicos, exatamente alguns dos principais avanços do PNDH3 são inegociáveis, são questões de princípio que constituem compromissos assumidos a partir de amplo debate entre a sociedade e os meios intitucionais, debate que se estendeu por todo o biênio 2008-2009. Ao longo de 2008 foram realizadas vinte e sete conferências estaduais de Direitos Humanos e outras tantas conferências temáticas, processo coletivo que culminou na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. Em 2009, um grupo de trabalho coordenado pela Secretaria Especial de Direitos Humanos consolidou o texto do PNDH3, que foi assinado por nada menos do que dezessete ministérios.

As questões de princípio, das quais não abrimos mão, têm sido objeto, insistimos, da ofensiva dos setores mais reacionários da sociedade brasileira. A confusão política e o recuo do governo federal demonstram que ele tem sido sensível aos reclames destes setores em detrimento dos movimentos sociais, das lutas dos trabalhadores e do povo. Vamos a elas:

1. A Comissão de Verdade e Justiça foi aprovada na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos. O PNDH3 fala apenas de uma Comissão de Verdade. O decreto de 13 de janeiro de 2010 a dilui ainda mais : a redação que passa a vigorar substituiu a formulação examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto da repressão política no período mencionado por examinar as violações de Direitos Humanos praticadas no contexto de conflito social a fim de efetivar o direito à memória e à verdade e promover a reconciliação nacional. Esta descontextualização da proposta abre espaço para a argumentação da simetria, de que houve violações dos dois lados. O decreto estipulou também uma comissão articulada verticalmente pelo poder instituído para definir o projeto da Comissão de Verdade a ser encaminhado ao legislativo, algo bem diferente do que foi aprovado na 11ª Conferência. Não está prevista a participação dos movimentos sociais com trajetória nesta luta, nem tampouco dos familiares de mortos e desaparecidos políticos. No Brasil, mais de trinta mil cidadãos foram presos e torturados nos porões da ditadura militar (1964-1985), mais de vinte mil foram exilados e banidos. Cerca de cinco centenas são mortos ou desaparecidos. Tais atos se enquadram no gênero de crime de lesa humanidade, uma vez que foram praticados em contexto de perseguição sistemática à população civil pelo poder constituído, que montou aparelho repressivo tentacular e onipresente, articulado pelas Forças Armadas, cuja tarefa precípua era a contenção e eliminação dos inimigos internos e a monitoração de toda a sociedade. Foi então que a tortura se efetivou como método de governo, política de Estado, tornando-se sólida instituição, status mantido até hoje. Crimes contra a humanidade não podem ficar impunes nem são passíveis de prescrição. A pretensa e mal chamada reciprocidade imputada à lei de anistia (Lei 6683/1979) não impede a punição dos crimes da ditadura: o que temos que garantir é uma interpretação que desmonte a aberração jurídica e histórica da auto-anistia que se quer naturalizar. Não é possível realizar uma transição que seja democrática com esquecimento e impunidade –a abertura incondicional dos arquivos da repressão, ou seja, a revogação da lei 11 111/2005 é condição imprescindível para o desfecho deste processo.Reparação não combina com reconciliação, muito menos com sigilo eterno e mentira organizada.

2. Sobre os conflitos no campo e reforma agrária o PNDH3 não avança muita coisa. Ainda assim tem sido alvo dos ataques da Confederação Nacional da Agricultura. O Programa apenas tangencia a necessidade de adequação dos índices de produtividade - fixados em 1975 - aos atuais padrões de produtividade, o que comprovaria que muitos latifúndios, hoje considerados produtivos, estão longe de sê-lo. A concentração fundiária continua em vertiginoso crescimento, assim como os assassinatos de trabalhadores rurais perpetrados pelo latifúndio e a criminalização das lutas dos trabalhadores sem terra, sempre com a conivência do Estado. Por outro lado, o programa propõe tratamentos acautelatórios e procedimentos especiais no que se refere à judicialização dos conflitos pela posse da terra, com vistas à prevenção contra a violência nas reintegrações de posse. É dever da Justiça agir com prudência propondo a mediação e a negociação entre as partes antes das ordens de despejo. Além da presença obrigatória do juiz ou do Ministério Público, este em todas as fases processuais de litígios envolvendo a posse da terra – o que o PNDH1(1996) e o PNDH2 (2002) já continham –, o PNDH3 exige a intervenção de uma comissão representativa dos movimentos sociais antes de qualquer medida jurídica. Em situações que envolvam um coletivo de famílias nas ações possessórias, urbanas ou rurais, nunca a justiça deverá determinar os despejos com liminar sem ouvir todos os interessados. Em vista da especulação imobiliária no espaço urbano, muitas vezes com o aval e a intervenção do próprio Estado, seja removendo comunidades pobres, seja salvaguardando os interesses das grandes construtoras, o PNDH3 incorporou medidas em defesa do direito à cidade. Neste sentido, há diretrizes e resoluções aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos que reforçam o instituto da função social da propriedade urbana e outras que prescrevem a implementação de importantes instrumentos de gestão democrática da cidade. O direito à cidade deve ser assegurado como dimensão básica de cidadania, constitui elemento fundante dos direitos humanos.

3. Os meios de comunicação no Brasil constituem monopólio de meia dúzia de famílias. Trata-se de concentração muito maior que a da riqueza, onde 1 % abocanhou a metade dos bens produzidos e 10 % possuem três quartos deles. Na comunicação a coisa é ainda pior: 0,000 1 % da população mantém a quase totalidade da população sob a mais severa ditadura. Tal ditadura da mídia é o sustentáculo da ditadura do poder econômico vigente.. Diante de quadro tão devastador, nada mais necessário do que a luta para que os meios de comunicação sejam democratizados e socializados sob o controle da sociedade. Dezenas de milhares de rádios comunitárias são os alvos preferenciais de selvagem perseguição executada pelo Estado brasileiro a serviço dos poderosos.O objetivo do Programa Nacional de Direitos Humanos é que a concessão dada às emissoras de rádio e TV respeite os princípios constitucionais que regem o assunto (art. 221 da Constituição Federal) bem como o Pacto de São José da Costa Rica (OEA) e a Carta de Direitos da ONU. Trata-se de colocar o interesse privado em seu devido lugar e empoderar aqueles que têm sido meros receptores passivos do ponto de vista da classe que domina este país de várias formas, inclusive através de um faraônico financiamento – contabilizado ou não - de campanhas políticas.

4. O movimento de Lésbicas, Gays, Travestis, Transexuais e Bissexuais – LGTB tem atuado incansavelmente para que o Estado brasileiro reconheça os seus direitos que historicamente têm sido negados. Milhares de membros da comunidade LGTB são vitimas frequentes de violência, discriminação e exclusão por causa da orientação sexual e identidade de gênero. Mesmo com a crescente mobilização do movimento, até hoje nenhuma lei infraconstitucional voltada para a promoção da cidadania LGTB foi aprovada no Congresso Nacional. A falta de ordenamento legal para a criminalização da homofobia e a legalização do direito à adoção e à união civil constitui poderoso obstáculo ao avanço da luta pela erradicação da discriminação e do preconceito. Os LGTB têm cerca de trinta e sete direitos negados, pelo simples fato de não ser reconhecida a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O movimento LGTB garantiu a inclusão destes direitos no PNDH3, mas estes avanços estão ameaçados, uma vez que o governo já anunciou o seu recuo para atender as exigências da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / CNBB, o que agride o preceito constitucional da laicidade do estado.

5. O PNDH3 propõe a retirada de símbolos sagrados das edificações públicas, monopólio da Igreja Católica, que não aceita definitivamente abrir mão desta prerrogativa. Tal postura representa outro obstáculo ao princípio da laicidade do Estado e reforça a intolerância religiosa que se abate principalmente sobre as religiões de matriz africana. Liberdade religiosa e direito à pluralidade são também princípios constitucionais dos quais não abrimos mão. A sociedade é construída por várias raças, culturas, religiões, classes sociais: daí a necessidade de firmeza na luta por uma sociedade verdadeiramente pluralista, cuja essência é a incorporação do direito à diferença. Não podemos perder de vista que o Brasil tem a maior população negra fora da África (mesmo na África só perde para a Nigéria[1]). Minas Gerais é o segundo estado da União em população negra. Por outro lado, mais de trezentos e cinquenta anos de escravidão e a marginalização imposta pela história da república brasileira dão a linha de um processo de longo prazo de segregação, opressão e racismo endêmicos e sistêmicos, pilares do capitalismo brasileiro. A escravidão constitui crime de lesa humanidade e como tal deve ser reconhecida pelo Estado, o qual tem a responsabilidade de reparar os danos causados por ela. A ausência de reparação e o aprofundamento das contradições se abatem sobre os negros e as negras - os primeiros duplamente discriminados, por causa da pobreza e da etnia; as últimas triplamente discriminadas, uma vez que a condição de gênero potencializa a opressão social e racial. Os jovens negros são submetidos à política extermínio e de encarceramento em massa. A produção de saberes e a construção da memória da nossa população negra também sofrem ataques sistemáticos por parte da cultura hegemônica. Passo fundamental no sentido da desconstrução deste quadro é a defesa do Estado laico. A inclusão desta medida no PNDH3 é fruto da luta histórica das negras e dos negros brasileiros.

6. O aborto é considerado crime no Brasil. Desde a I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres[2], realizada em 2004, os movimentos sociais ali presentes recomendaram ao governo “rever a legislação punitiva que trata da interrupção voluntária da gravidez”. O governo incorporou a recomendação como uma das seis prioridades para a saúde das mulheres e criou uma Comissão Tripartite, composta por representantes dos poderes executivo e legislativo, organizações da sociedade civil e do movimento de mulheres. Essa Comissão elaborou um Anteprojeto de Lei que foi entregue, em 3 de agosto de 2005, pela Secretaria de Políticas para as Mulheres à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Na II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (Bras´lia, agosto de 2008) que contou com a participação de 2.800 delegadas, representando os 27 estados brasileiros houve uma recomendação para que o Projeto de Lei da Comissão Tripartite fosse reapresentado ao Congresso pelo Poder Executivo. Pesquisa de 2007 do Instituto de Medicina Social da UERJ concluiu que ocorrem anualmente 1.054.243 abortamentos no país. O estudo aponta para o fato de que a curetagem pós-aborto é o segundo procedimento obstétrico mais realizado nos serviços públicos de saúde. No primeiro semestre de 2007, o Ministro da Saúde, José Gomes Temporão, declarou que o aborto é uma questão de saúde pública grave, que precisa ser enfrentada pela sociedade e pelo Congresso Nacional. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou esse ponto de vista, ao afirmar que o Estado brasileiro é laico, ou seja, não deve ter suas políticas orientadas por preceitos religiosos. O PNDH3 incorporou a proposta de descriminalização do aborto mas, apesar de todo este acúmulo das lutas das mulheres brasileiras e das declarações favoráveis do governo federal, este já dá sinais de recuo, mais uma vez pressionado pela ortodoxia católica. O Ministro Paulo Vanuchi, titular da Secretaria Especial de Direitos Humanos, já afirmou que esta medida, exigência histórica do movimento feminino e feminista, será retirada do programa, o que virá a ser um atraso absolutamente inaceitável.

A partir de tudo isto, fica claro para nós que há longo caminho a percorrer, daí a necessidade de mobilização permanente para a defesa do PNDH3. Este se qualifica como política de Estado, e não deste ou daquele governo, deste ou daquele partido: ele pertence à sociedade brasileira, que dele deve se apropriar para aprofundá-lo e radicalizá-lo. Não aceitamos as tergiversações do executivo federal. Nenhuma instância do governo tem autoridade para alegar desconhecimento do PNDH3 e, muito menos, legitimidade para revogar unilateralmente o que quer que tenha sido firmado na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, espaço por excelência de deliberação da sociedade civil organizada e não exclusividade do poder instituído. Cabe aos movimentos sociais acompanhar de perto a Comissão de Monitoramento do PNDH3, já instituída. Agora é na rua, a luta continua! Nem um passo atrás!

Belo Horizonte, fevereiro de 2010.

 
Assinam a Carta de Belo Horizonte:

· Articulação de Mulheres Brasileiras


· Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais /ABGLT


· Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária / ABRAÇO-MG


· Associação de Lésbicas de Minas Gerais / ALEM


· Associação Metropolitana dos Estudantes Secundaristas de Belo Horizonte / AMES-BH


· Brigadas Populares


· Casa de Tradição e Cultura Ogumfunmilayo / CATABA-MG


· Central Única dos Trabalhadores / CUT


· Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da UFMG / CAAP


· Centro Cultural Manoel Lisboa / CCML


· Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual / CELLOS-Contagem


· Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais / CELLOS-MG


· Coletivo de Entidades Negras / CEN-MG


· Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais


· Comissão Pastoral da Terra / CPT


· Comissão de Direitos Humanos da OAB-MG


· Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial / FSMMG


· Confederação das Mulheres do Brasil / CMB


· Conselho Estadual da Mulher / CEM


· Conselho Municipal dos Direitos da Mulher / CMDM


· Consulta Popular


· Coordenadoria Municipal dos Direitos da Mulher / CONDIM


· DCE Anhanguera – BH


· DCE Universo - BH


· Diretoria de Relações Internacionais da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas


· Diretório Acadêmico da Faculdade de Educação / UEMG


· Diversidade Afetivo-Sexual / DIVAS-MG


· Federação de Mulheres Mineiras


· Fórum Mineiro de Direitos Humanos


· Fórum de Mulheres do Mercosul – Capítulo Brasil


· Fórum de Mulheres Negras


· Fundação Perseu Abramo


· Grêmio do Colégio Estadual Central


· Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade


· Grupo Levante de Teatro do Oprimido


· Instituto Albam


· Instituto Helena Greco de Direitos Humanos e Cidadania / IHGDHC


· Instituto Mineiro de Saúde Mental e Social


· Jornal A Verdade


· Liga Brasileira das Lésbicas de Minas Gerais / LBL-MG

· Marcha Mundial de Mulheres / MMM


· Movimento Anarquista Libertário / M.A.L.


· Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas / MLB


· Movimento do Graal no Brasil


· Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem terra / MST


· Movimento Luta de Classes / MLC


· Movimento Mulheres em Luta / CONLUTAS


· Movimento Nacional Nação Bantu / MONABANTU_


· Movimento Negro Unificado / MNU-MG


· Movimento Popular da Mulher / MPM


· Núcleo de Estudos Jurídicos Avançados / NEJA


· NZINGA / Coletivo de Mulheres Negras de Belo Horizonte


· Partido Comunista Brasileiro / PCB


· Partido Comunista Revolucionário / PCR


· Raça Direitos Humanos e Ambientais


· Rede Nacional de Advogados Populares / RENAP


· Secretaria de Direitos Humanos da OAB-MG


· Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Carnes, Derivados, Frios, Casas de Carnes e Congèneres do Estado de MG / SINDICARNE


· Sindicato dos Advogados do Estado de Minas Gerais


· Sindicato dos Empregados em Escritórios de Contabilidade de Divinópolis e Região/ SINDICONT


· Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais / SINPRO MINAS


· Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte / SINDIBEL


· Sindicato dos Trabalhadores de Ensino de Minas Gerais / Sind-UTE – Subsede Barreiro


· Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Estado de Minas Gerais / SITRAEMG


· Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Panificação, Cofeitarias, Biscoitos,e Temperos de Contagem / SINDIPÃO


· Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Panificação, Confeitarias, Massas Alimentícias, Biscoitos... de Belo Horizonte, Contagem e Região/ SITIPAN


· Sindicato Único dos trabalhadores da Saúde de Minas Gerais / Sindi-Saúde-MG


· União Brasileira de Mulheres / UBM-MG


· União da Juventude Comunista / UJC


· União da Juventude Rebelião / UJR


· União de Negros pela Igualdade / UNEGRO



[1] Dados do Movimento Negro Unificado/MG.


[2] Dados compilados de: O debate sobre o aborto no Brasil: avanços, retrocessos e perspectivasBeatriz Galli e Evanize Sydow (2009), Ipas Brasil, 11 de fevereiro de 2010.



24 horas de combate a homofobia




Incentivados pelos recentes casos de homofobia, como o assassinato, do adolescente Alexandre Ivo, de apenas 14 anos, e pelos avanços nas legislações de Uruguay e Argentina, que recentemente passou a ser o primeiro país da América Latina a permitir o casamento entre casais do mesmo sexo, um grupo de defensores de direitos humanos se reúne em Brasília para lançar a campanha 24 Horas de Combate à Homofobia, um movimento virtual de conscientização política com o intuito de provocar a discussão a respeito dessa temática e mobilizar pessoas sensíveis à promoção da igualdade de direitos e o combate à discriminação.



Através do site e de várias redes sociais, a campanha sugere aos eleitores que realizem uma pesquisa sobre os canditados e canditadas de seu estado, buscando informações sobre quais destes e destas defendem os Direitos Humanos através de ações voltadas para o público LGBT.



Em setembro será realizado uma manifestação cultural de 24 horas, com shows musicais, esquetes teatrais, exposição de fotos e vídeos, bate-papo com alguns representantes do governo e da sociedade civil e uma festa com vários DJs. A idéia da Campanha é que, durante as 24 horas desse dia, as pessoas doem seu tempo para a realização de ações que mobilizem pessoas, multipliquem informações e sensibilizem a sociedade para uma incidência política mais concreta no combate à homofobia e a promoção da equidade de direitos.



“O processo eleitoral é um dos mais importantes processos formais de participação é grande momento para essa sensibilização. Não é possível permitir que milhões de brasileiros continuem a serem tratados como cidadãos e cidadãs de segunda categoria. Não alterar essa situação é ser conivente com os crimes de ódio contra homossexuais que acontecem quase que diariamente em nosso país”, diz um dos organizadores do evento.






Elisângela Maria de Jesus



Coordenadoria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos



VIDES BRASIL



www.vides.org.br