segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Combate à homofobia

Projeto da UFMG produziu vídeos com travestis




Apesar de vivermos em uma sociedade que se intitula aberta às diferenças e livre de preconceitos, é comum presenciar casos de discriminação, seja por raça, religião ou orientação sexual. O preconceito em relação aos homossexuais ainda é grande no Brasil e foi com o objetivo de diminuir os efeitos desse tipo de discriminação que o projeto “Educação Sem Homofobia”, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lançou na última semana, os vídeos “Memorial Travestis e Trans de BH” e “Muito prazer: travestis e transexuais de Juiz de Fora”. O projeto foi desenvolvido pela parceria entre o Movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) de Belo Horizonte e o Movimento Gay de Minas (MGM) de Juiz de Fora, e contou com o depoimento de travestis e transexuais das duas cidades.

Os vídeos do projeto contaram com a participação de muitas travestis de Belo Horizonte. “Nós tivemos a ajuda da Cellos Trans (Centro de Luta Pela Livre Orientação Sexual). A coordenadora do Centro nos ajudou muito e nos indicou cinco travestis para entrevistar”, contou Tatiana Carvalho Costa, Supervisora do Departamento de Produção de Material Didático Audiovisual do “Educação Sem Homofobia”, explicando que a equipe de gravação também teve o apoio do Grupo Solidariedade de BH. “Esse grupo trabalha com travestis em situação de risco e a responsável por ele também nos indicou três travestis para a conversa”, contou a Supervisora, que entrevistou cerca de 20 travestis na capital mineira. Nos vídeos, elas falam sobre a descoberta de sua orientação sexual, do dia-a-dia, da relação com a família, do preconceito que sofrem e também a respeito dos programas que fazem e da relação com os seus clientes.

O projeto da UFMG

O projeto “Educação Sem Homofobia” foi criado em 2008 pela UFMG com o intuito de dar uma formação aos educadores em relação à diversidade sexual, para que esse aprendizado seja transmitido aos alunos. “A principal meta do nosso trabalho é capacitar os professores para que eles realizem aulas com discussões e esclarecimentos a respeito das diversidades sexuais”, explicou Daniel Arruda, Coordenador Executivo do “Educação Sem Homofobia”, projeto do Nuh (Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT). “Há dois anos o projeto criou jogos educativos para serem usados pelos professores em sala, mas dessa vez nós optamos por um material audiovisual”, falou Daniel, sobre os vídeos produzidos em 2010.

A respeito da execução dos vídeos, Daniel disse que o grupo não teve dificuldades em coletar o material com as travestis. “O curso de Psicologia da Universidade possui um projeto de estágio em que os alunos acompanham a rotina das travestis em suas casas. A proposta de realizar um vídeo partiu delas, da vontade que elas tinham de mostrar para o mundo a sua vida e dizer que também ganharam espaço político na sociedade”, falou o Coordenador. “Nós ficamos surpresos com o apoio das travestis de BH, pois a princípio nós pensamos que elas seriam arredias”, lembrou Tatiana, a respeito da ótima receptividade das entrevistadas.


O vídeo também foi realizado em Juiz de Fora, com a participação de 12 travestis, por conta da presença do “Educação Sem Homofobia” na cidade e pelo apoio da Pesquisadora da Universidade Federal de Juíz de Fora (UFJF), Juliana Perucchi. “O pessoal de lá ficou sabendo do vídeo em BH e logo quiseram participar. Nós aqui topamos na hora”, disse Tatiana, explicando que o preconceito não ocorre apenas por conta da orientação sexual. “Duas entrevistadas de ambas as cidades disseram sentir mais preconceito por serem negras, e não travestis”, falou a Supervisora. “Não sei se podemos falar em um preconceito inferior ao outro, mas é impressionante a inserção social que as travestis bem nascidas ou que conseguiram ficar ricas têm em relação às que são mais pobres”, contou Tatiana, a respeito dos diversos tipos de discriminação existentes nesse e em qualquer outro meio. “Elas são discriminadas inclusive pelas outras travestis e também há o preconceito entre os homossexuais. Alguns gays, homens principalmente, não gostam de travestis. Elas não quiseram gravar esses depoimentos para o nosso vídeo, mas é uma situação que acontece”, declarou.


As travestis que participaram dos vídeos estiveram presentes no lançamento do projeto nas duas cidades. “A exibição em Belo Horizonte foi ótima. Elas estiveram no evento e se emocionaram ao assistir os depoimentos”, contou Tatiana. “Eu não estive no lançamento em Juiz de Fora, mas quem pôde comparecer me disse que a receptividade também foi maravilhosa”, contou a Supervisora, salientando que a repercussão também foi grande devido à divulgação na Internet. “Já tem professores usando os vídeos em aulas e também fiquei sabendo da procura pelo material por pessoas de outros países, como Portugal”, finalizou a Supervisora do projeto.



O Projeto da UFMG foi uma grande oportunidade para as travestis mostrarem um pouco de suas vidas para a sociedade. “O vídeo foi uma grande chance da gente mostrar nossa cara. Essa visibilidade é muito importante para as meninas, nós precisamos mostrar para as pessoas que somos normais como qualquer outro ser humano”, explicou Anyky Gonçalves de Lima, 54 anos, Coordenadora do Cellos Trans. “Nós tivemos um grande apoio do pessoal da Universidade. Nós ajudamos com o projeto porque percebemos que o interesse deles era realmente o de nos ajudar”, contou Anyky.



Apesar de o material ser voltado para a divulgação da vida de uma travesti e, consequentemente, com a diminuição do preconceito em relação à essa comunidade, Anyky acredita que o percurso ainda será longo até o fim da homofobia. “Eu acho muito difícil acabar com a discriminação, as pessoas não conhecem a nossa vida e já criam uma imagem na cabeça. Penso que uma das formas de eliminar o preconceito da sociedade é mostrar a travesti como alguém politizada, e não da maneira como geralmente a comunidade é exposta na mídia”, explicou Anyky, lembrando da relação de muitas travestis com o universo das drogas e dos crimes que são cometidos contra elas devido à homofobia.


Anyky, que participou ativamente do trabalho de captação dos depoimentos, começou a perceber sua orientação sexual desde a infância. “A partir dos sete anos comecei a entender minha sexualidade. Aos 12 eu comecei a me travestir e aos 15 saí de casa por causa do preconceito da minha família”, contou. “Muita gente foge de casa por não ter o apoio da família e acaba indo para a rua por não ter outra opção. Com isso, a imagem que as pessoas têm das travestis é a de gente que vive nas esquinas. Mas o que queremos mostrar é que somos normais como qualquer um, e que temos, assim como qualquer outra pessoa, o nosso lado positivo”, finalizou Anyky.