segunda-feira, 19 de julho de 2010

Parada Gay: A historia - parte 3

Por:Jason Waider

A homossexualidade como comportamento (Continuação)


... Foi preciso quase um século para que a questão da homossexualidade começasse a ser tratada de outra forma. Em 1940, o entomologista e zoólogo norte-americano Alfred Kinsey iniciou as primeiras pesquisas sobre o comportamento sexual humano, trazendo resultados que abalaram a sociedade na época. Entre eles, de que 10% da população humana teria uma orientação homossexual. Embora controversa, esta pesquisa serviu de inspiração, entre outros fatores, para o movimento da contracultura, a revolução sexual e o surgimento dos primeiros movimentos pela descriminalização da homossexualidade e pelo reconhecimento dos direitos civis dos homossexuais nos anos 60.

As Paradas Gays têm ajudado a mostrar para aspopulações a importância do respeito à diversidade sexual­

Mas foi somente nos anos 70 que ela deixou de ser doença e passou a ser considerada simplesmente como um comportamento sexual possível entre indivíduos do mesmo sexo. Em 1973, a Associação Americana de Psiquiatria retirou a homossexualidade do Código Internacional de Doenças, abrindo caminho para que as leis punitivas fossem revistas em vários países. Embalado pela promessa de grandes mudanças sociais do período e apoiado por teóricos, políticos e pelos meios de comunicação, o movimento gay (termo criado para tentar trazer uma conotação menos negativa do que homossexual) ganhou força. Mas com o surgimento da Aids nos anos 80, o movimento sofreu um golpe profundo. Como os primeiros casos da doença surgiram entre os homossexuais, logo ela foi chamada de “peste gay”, acrescentado mais um estigma à já longa lista existente. Com o avanço da doença entre os heterossexuais, no entanto, a tese caiu por terra, mas o estrago sobre a reputação já tão negativa dos homossexuais estava feito. Somente em 1990 a Assembléia-Geral da Organização Mundial de Saúde, a OMS, declarou que "a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão", determinando que psicólogos não colaborem em procedimentos que proponham seu "tratamento" e sua "cura".

Perfil do público gay no Brasil

Segundo dados do Instituto de Pesquisa e Cultura GLS, 18 milhões de brasileiros são gays (cerca de 10% da população). O censo mostra que 40% estão em São Paulo, 14% no Rio de Janeiro, 8% em Minas Gerais e 8% no Rio Grande do Sul. O público gay gasta em média 30% a mais do que gastam os heterossexuais. Os dados mostram também que 36% são da classe A, 47% da B e 16% da C. Outra informação mostra que 57% têm nível superior, 40% médio e 3% ensino fundamental.

Desconsiderando as possíveis tendências e intenção dessa estatística os números são interessantes e devem ser pensados em termos de um significado sócio-político. Pensem nisso.
 
 

Parada Gay: A historia - parte 2

Por: Jason Waider

Atualmente a ciência se ocupa em discutir se a sexualidade humana é determinada biológica ou culturalmente. Já o direito decide se deve estender as conquistas legais da heterossexualidade aos gays ou não. Enquanto isso, é no espaço público que as batalhas mais difíceis ainda são travadas. É no dia-a-dia, nas ruas, nas escolas, nos locais destinados ao lazer, nos hospitais que todos os que tentam se tornar visíveis, sem querer no entanto se transformar em alvo, enfrentam as maiores dificuldades. Talvez seja por isso que, ano após ano desde seu surgimento em 1970, as paradas gays no planeta todo venham ganhando proporções cada vez maiores. Pois, por enquanto, são nessas raras oportunidades que os níveis de tolerância aumentam sensivelmente mundo afora. Momentos em que outras formas de se relacionar podem ser vistas como uma realidade passível de coexistir com a dita normalidade. Sem que isso implique necessariamente na implosão da ordem social estabelecida, no final do mundo ou coisa parecida.

Um dos mais antigos registros da prática sexual entre pessoas do mesmo sexo que se tem notícia é uma pintura encontrada em uma caverna da França. Nela está representado um artefato duplo que, acredita-se, era usado para a realização de sexo entre duas mulheres há cerca de 12 mil anos antes de Cristo. Já na Grécia e Roma antigas, época em que o corpo era cultuado, a representação de jovens se relacionando com homens mais velhos em pinturas, cerâmicas e esculturas era freqüente. Ela retratava a prática, socialmente aceita, de tutores mais velhos iniciarem os jovens em diversos campos do conhecimento. Longe de ser uma apologia à pedofilia, que um olhar contemporâneo poderia supor, a pederastia estava de acordo com os valores daquela sociedade. Aliás, a divisão de sexos como conhecemos hoje sequer tinha sido concebida. O que vigorava era o modelo unissexuado do corpo. Ou seja, só existia o sexo masculino com sua anatomia sexual perfeita. A mulher, por sua vez, era “incompleta” e, segundo o conceito da época, seus órgãos sexuais eram invertidos ou projetados para dentro.

Mostrar o corpo, dançando ao som de música eletrônica,sobre os trios elétricos é uma das atrações das Paradas Gays

Foi somente na Idade Média, com o fortalecimento do cristianismo, que a noção de pecado em relação ao corpo foi introduzida. Com o início da era da supremacia da alma, o sexo virou coisa do demônio, a não ser aquele praticado com finalidades reprodutivas e conseqüentemente entre pessoas de sexo diferentes. Tudo mais que fugisse a essa regra – masturbação, prazer pelo prazer, relações entre indivíduos do mesmo sexo, incesto - era considerado anormal e digno de punição através de penitências, castigos corporais, prisão, tortura ou morte. Estabeleceram-se assim as bases do padrão de conduta sexual da sociedade judaico-cristã que prevalece até hoje.

No século 19, quando a razão passou a ser o foco central do pensamento ocidental, o discurso sobre a sexualidade foi transferido para o domínio da ciência. A idéia era de que se a raça humana se diferenciava dos animais pela racionalidade, então era preciso se comportar de uma forma superior. Portanto os instintos básicos deveriam ser controlados e disciplinados. Assim as manifestações da sexualidade “fora do padrão” passaram a ser consideradas doenças que precisavam ser curadas, adicionando-se à questão do pecado também o caráter patológico. É nesse contexto que surge pela primeira vez a palavra homossexual em 1869. O termo, criado pelo médico húngaro Karoly Maria Benkert, passou a designar pessoas que se sentem atraídas física, emocional, estética e espiritualmente por pessoas do mesmo sexo. Daí para a transformação do "homossexualismo" em doença foi apenas um passo - por isso hoje já não usamos mais homossexualismo e sim homossexualidade. No ano seguinte, o texto "As Sensações Sexuais Contrárias", do psiquiatra alemão Carl Westphal, passava a considerar essa nova identidade sexual como um desvio que precisava ser tratado e curado. Com esse reforço científico, o código penal alemão passou a considerar a homossexualidade como uma prática bestial. Assim, desde sua "invenção", a definição de homossexualidade passou a englobar muitas das experiências sexuais que não estavam de acordo com a prática considerada normal. E também a personificar todo o medo que uma sociedade com rígidos padrões morais tinha de enfrentar mudanças em seus valores e instituições. “Considerava-se que a então chamada ‘inversão sexual’ constituía uma ameaça múltipla: à reprodução biológica, à divisão tradicional de poder entre o homem e a mulher na família e na sociedade e, sobretudo, à manutenção dos valores e da moralidade responsáveis por toda uma ordem e visão de mundo. Essas razões levaram os saberes psiquiátricos e as leis a colocarem o homossexual no grupo dos desviantes, ao lado da prostituta, do criminoso nato e daquele que talvez fosse seu parente mais próximo: o louco”, segundo afirma Richard Miskolci, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. ( A continuar)...
 

História da Parada do Orgulho Gay- parte 1

Por: Jason Waider

O corpo: a beleza, o pecado e a doença

A Igreja diz: O corpo é uma culpa. A Ciência diz: O corpo é uma máquina. A publicidade diz: O corpo é um negócio. O corpo diz: Eu sou uma festa. (Eduardo Galeano, escritor uruguaio)

Um pouco de História

Cerca de 300 anos antes de Cristo, uma força militar formada por 150 casais de homossexuais, conhecida como Batalhão Sagrado, fazia o chão tremer. Armados de espadas, escudos e muita bravura, eram membros da tropa de elite da cidade grega de Tebas. Temidos e respeitados tanto pelo seu povo quanto por seus inimigos, eram quase imbatíveis, pois cada soldado lutava ao lado de seu amante, sendo responsável por sua proteção. Mais de dois mil anos depois, a aparição coletiva de “indivíduos com orientação sexual voltada para pessoas do mesmo sexo, entre outras combinações”, continua causando arrepios. Mas não pelos mesmos motivos.

Empunhando bandeiras com as cores do arco-íris, “montados” em saltos altíssimos, fantasias extravagantes, perucas exuberantes ou simplesmente vestidos de forma convencional, um festivo batalhão composto por milhares de homossexuais (hoje identificados pela sigla GLBT – gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros) invade as ruas de várias cidades do mundo uma vez por ano. Agora, como participantes das Paradas do Orgulho Gay, lutam contra a clandestinidade a que vêm sendo submetidos há séculos, desde que forças sociais, econômicas, culturais e religiosas estabeleceram os padrões “normais” de sexualidade vigentes até hoje

Mas afinal, quando esse monte de gente foi obrigado a se esconder dentro do armário? Os mais antigos registros históricos encontrados por pesquisadores parecem mostrar que, do surgimento do homem no planeta até a Antiguidade, a sexualidade era vivida em suas variadas possibilidades com certa naturalidade. Foi somente com o advento do cristianismo e o surgimento das primeiras nações européias na Idade Média, que o sexo ganhou status de pecado, sendo justificável apenas para fins reprodutivos. ( E por favor não entendam que eu esteja acusando o cristianismo, não mesmo, afinal eu sou cristão e acho que o cristianismo não representa mais esse papel de repressor, falar a Igreja vai sempre, mas quem mais inibi e machuca é a própria família e a sociedade num todo). Assim, todas as práticas sexuais que não se enquadravam nesta categoria viraram coisa do demônio. Passaram então a merecer punições, das mais leves, como a penitência, às mais “definitivas”, como a queima em fogueira. Com a contribuição da ciência e do direito no século 19, algumas dessas práticas, como o recém-nomeado homossexualismo, conhecido até então simplesmente como “relação entre pessoas do mesmo sexo”, passou a ser considerado também doença e crime.Foi somente por volta dos anos 60 do século 20, com o movimento de contracultura, a revolução sexual, os avanços científicos e os progressos legais, que o homossexualismo deixou de ser considerado doença e foi descriminalizado em vários países. Conquistas que abriram espaço para um ativismo voltado para questões como o direito à visibilidade social e cidadania. Movimento que com o apoio de políticos, dos meios de comunicação, de intelectuais e de eventos, como as paradas gays, ganhou força na década de 70. Mas que com o surgimento da Aids nos anos 80 e sua vinculação inicial aos gays, sofreu um duro golpe. Revés que fez com que muita gente fosse obrigada a se tornar invisível novamente.

Gays, que nos anos 90, puderam sair das sombras graças à diminuição do pânico em relação a Aids. E que, com poder de compra, começaram a se tornar um atraente segmento de mercado a ser explorado. O que, tanto o poder público, quanto algumas empresas mais antenadas descobriram rapidamente, fazendo surgir em um passe de mágica alguns espaços amigáveis ao público gay, além de produtos, serviços, pacotes turísticos e, lógico, muita simpatia.