segunda-feira, 19 de julho de 2010

Parada Gay: A historia - parte 2

Por: Jason Waider

Atualmente a ciência se ocupa em discutir se a sexualidade humana é determinada biológica ou culturalmente. Já o direito decide se deve estender as conquistas legais da heterossexualidade aos gays ou não. Enquanto isso, é no espaço público que as batalhas mais difíceis ainda são travadas. É no dia-a-dia, nas ruas, nas escolas, nos locais destinados ao lazer, nos hospitais que todos os que tentam se tornar visíveis, sem querer no entanto se transformar em alvo, enfrentam as maiores dificuldades. Talvez seja por isso que, ano após ano desde seu surgimento em 1970, as paradas gays no planeta todo venham ganhando proporções cada vez maiores. Pois, por enquanto, são nessas raras oportunidades que os níveis de tolerância aumentam sensivelmente mundo afora. Momentos em que outras formas de se relacionar podem ser vistas como uma realidade passível de coexistir com a dita normalidade. Sem que isso implique necessariamente na implosão da ordem social estabelecida, no final do mundo ou coisa parecida.

Um dos mais antigos registros da prática sexual entre pessoas do mesmo sexo que se tem notícia é uma pintura encontrada em uma caverna da França. Nela está representado um artefato duplo que, acredita-se, era usado para a realização de sexo entre duas mulheres há cerca de 12 mil anos antes de Cristo. Já na Grécia e Roma antigas, época em que o corpo era cultuado, a representação de jovens se relacionando com homens mais velhos em pinturas, cerâmicas e esculturas era freqüente. Ela retratava a prática, socialmente aceita, de tutores mais velhos iniciarem os jovens em diversos campos do conhecimento. Longe de ser uma apologia à pedofilia, que um olhar contemporâneo poderia supor, a pederastia estava de acordo com os valores daquela sociedade. Aliás, a divisão de sexos como conhecemos hoje sequer tinha sido concebida. O que vigorava era o modelo unissexuado do corpo. Ou seja, só existia o sexo masculino com sua anatomia sexual perfeita. A mulher, por sua vez, era “incompleta” e, segundo o conceito da época, seus órgãos sexuais eram invertidos ou projetados para dentro.

Mostrar o corpo, dançando ao som de música eletrônica,sobre os trios elétricos é uma das atrações das Paradas Gays

Foi somente na Idade Média, com o fortalecimento do cristianismo, que a noção de pecado em relação ao corpo foi introduzida. Com o início da era da supremacia da alma, o sexo virou coisa do demônio, a não ser aquele praticado com finalidades reprodutivas e conseqüentemente entre pessoas de sexo diferentes. Tudo mais que fugisse a essa regra – masturbação, prazer pelo prazer, relações entre indivíduos do mesmo sexo, incesto - era considerado anormal e digno de punição através de penitências, castigos corporais, prisão, tortura ou morte. Estabeleceram-se assim as bases do padrão de conduta sexual da sociedade judaico-cristã que prevalece até hoje.

No século 19, quando a razão passou a ser o foco central do pensamento ocidental, o discurso sobre a sexualidade foi transferido para o domínio da ciência. A idéia era de que se a raça humana se diferenciava dos animais pela racionalidade, então era preciso se comportar de uma forma superior. Portanto os instintos básicos deveriam ser controlados e disciplinados. Assim as manifestações da sexualidade “fora do padrão” passaram a ser consideradas doenças que precisavam ser curadas, adicionando-se à questão do pecado também o caráter patológico. É nesse contexto que surge pela primeira vez a palavra homossexual em 1869. O termo, criado pelo médico húngaro Karoly Maria Benkert, passou a designar pessoas que se sentem atraídas física, emocional, estética e espiritualmente por pessoas do mesmo sexo. Daí para a transformação do "homossexualismo" em doença foi apenas um passo - por isso hoje já não usamos mais homossexualismo e sim homossexualidade. No ano seguinte, o texto "As Sensações Sexuais Contrárias", do psiquiatra alemão Carl Westphal, passava a considerar essa nova identidade sexual como um desvio que precisava ser tratado e curado. Com esse reforço científico, o código penal alemão passou a considerar a homossexualidade como uma prática bestial. Assim, desde sua "invenção", a definição de homossexualidade passou a englobar muitas das experiências sexuais que não estavam de acordo com a prática considerada normal. E também a personificar todo o medo que uma sociedade com rígidos padrões morais tinha de enfrentar mudanças em seus valores e instituições. “Considerava-se que a então chamada ‘inversão sexual’ constituía uma ameaça múltipla: à reprodução biológica, à divisão tradicional de poder entre o homem e a mulher na família e na sociedade e, sobretudo, à manutenção dos valores e da moralidade responsáveis por toda uma ordem e visão de mundo. Essas razões levaram os saberes psiquiátricos e as leis a colocarem o homossexual no grupo dos desviantes, ao lado da prostituta, do criminoso nato e daquele que talvez fosse seu parente mais próximo: o louco”, segundo afirma Richard Miskolci, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. ( A continuar)...
 

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